Inclusão escolar: um desafio
Esteban Reyes Celedón
Mestre em Filosofia pela PUC-RJ
Doutorando em Literatura - UFRJ
Num movimento que se propõe dar vida à Declaração de Salamanca (Espanha, 1994) e ao Projeto de Resolução CNE / CEB 02/2001, onde no seu artigo 8o diz que “as escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns: (VI) condições para a reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores”, vimos a oferecer à SMEMP uma palestra abordando o tema acima descrito.
Nosso modelo educacional mostra há algum tempo sinais de esgotamento, faz-se necessária a transformação. As diferenças culturais, sociais, étnicas e religiosas já faz algum tempo que estão presentes na nossa escola (muito por ser o Brasil um pais de multiplicidade). Porém, hoje vivemos num mundo onde é impossível fechar os olhos a outra diferença. A diferença da igualdade. Todos nós temos o mesmo direito de ser diferentes na igualdade. Isto é, somos todos seres humanos, e como tais, iguais. Contudo, nunca antes se valorizou tanto o direito natural de cada um de nós se expressar conforme suas próprias caraterísticas individuais. Quer dizer, o fato de ser bonito ou feio, magro ou gordo, inteligente ou nem tanto, ter duas mãos ou não, poder andar com nossas próprias pernas ou com ajuda, ser a nossa visão inferior ao do nosso vizinho, nossa audição aquém do esperado, e assim por diante, nada disso nos faz diferentes, continuamos iguais. A diferença está em que cada um de nós pode elevar a sua mais alta potência suas particularidades. O que nos faz diferente é se conseguimos ou não sobressair ao explorar nossas particularidades. Um bom exemplo se dá nos esportes: o Brasil ganha mais medalhas nas para-olimpíadas do que nas olimpíadas.
Este é o lado positivo da diferença. Porém, assim como a igualdade, a diferença pode nos ajudar ou prejudicar. Por isso, temos o mesmo direito a sermos iguais e a sermos diferentes. “Temos direito de ser iguais quando a diferença não inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. (Santos)
Diante dessa realidade, a escola não pode mais continuar ignorando os acontecimentos (do Brasil e do mundo); ela é um espelho da sociedade, e se a sociedade muda, ela tem a obrigação de mudar também. Se a sociedade somos todos, a escola é para todos.
1.- O que é educação inclusiva?
Temos de saber aonde queremos chegar para encontrar um caminho possível e viável. Não existe “o caminho”, mas caminhos a escolher ou criar. E a escolha ou criação é sempre correr riscos. Mas falta um dado relevante, saber aonde queremos chegar é fundamental, mas para que o nosso trabalho/percurso seja viável, devemos, antes de começarmos a caminhada, saber de onde partiremos, onde nos encontramos, onde estamos (qual é a nossa situação atual). Por isso, devemos, primeiro, perguntarmos o que entendemos quando ouvimos falar de educação inclusiva. O que entendemos por Educação? O que entendemos por Inclusão?.
Educação: Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social (Aurélio).
Porém, mais do que seu significado, queremos saber do seu sentido, da sua utilidade. Para além do Quê e do Por quê, queremos saber do Para quê e do Como. Entendemos educação como um movimento orgânico e harmônico, um constante nascer, um aparecer, um eterno tornar-se, um devir na sua mais alta potencialidade. (REYES, Da Educação). Ou seja, educação não é um conceito ideal e imutável. O que se entendia ontem sobre educação pode não mais ser válido hoje. Aurélio falava de integração; hoje falamos de inclusão.
Inclusão: Ato ou efeito de incluir, isto é, de compreender (entender alguém, aceitá-lo como é), abranger (conter em si, mas também, apreender, perceber, entender, alcançar, atingir); em estudos da linguagem, inclusivo se diz da 1ª pessoa do plural, que inclui o falante e o ouvinte. (no nosso caso, professores e alunos).
Em educação especial é o ato de incluir pessoas portadoras de necessidades especiais na plena participação de todo o processo educacional, laboral, de lazer, etc., bem como em atividades comunitárias e domésticas. (Aurélio). Só que aqui não estamos falando em “educação especial”, todos nós aqui fazemos parte da “educação”, sem nenhuma restrição, sem nenhum favorecimento especial, sem nenhum preconceito. Ou seja, nossa educação não se restringe às pessoas chamadas “Portadoras de Necessidades Educacionais Especiais” (PNEE); é para todos. E se entendemos que todos somos especiais e que todos, por natureza, temos nossas necessidades, a educação especial é para todos. Isto é, deve ser chamada apenas de educação, não havendo a necessidade de uma outra educação, diferente do que a educação.
Obs. Não existem “necessidades educativas”, necessidades “que educam, que servem para educar”, não faz sentido; existem campanhas educativas, filmes educativos, etc. Educacional sim, “é o que concerne à educação, no âmbito da educação”; como em “política educacional”, “direitos educacionais”, etc. (Sassaki).
Segundo a Declaração de Salamanca (introdução 3):
“O termo "necessidades educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e portanto possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua escolarização”.
Lembrando de Marsha Forest, inclusão é “estar com o outro e cuidar uns dos outros”, dizer “seja bem-vindo!”. Inclusão trata de como nós lidamos com a diversidade, com a diferença de uma maneira positiva (provocando bons afetos). Sabemos que não somos todos iguais e tratamos a diversidade e a diferença com gratidão e respeito.
2.- O que é Sociedade inclusiva
Vivemos hoje, no Brasil, numa sociedade democrática, capitalista e de uma consciência de vida como nunca antes se viu. Todos estes fatores reunidos acabam gerando um campo propício para a chamada inclusão social. Seja por ideais ou por motivos financeiros ou mesmo morais, a verdade é que existe uma tendência a incorporar (incluir) todas as pessoas na vida social, principalmente nas grandes cidades. Quanto maior o número de eleitores, maior a representatividade do político eleito, o que lhe concede maior legitimidade; quanto maior o número de trabalhadores, maior o volume de comércio, o que acarreta numa economia mais estável; quanto maior o número dos incluídos (e menor o dos excluídos ou esquecidos ou marginalizados), mais justa e feliz será a sociedade. Parece uma questão matemática. Quanto maior o número de elementos, maior fica o conjunto. Ganha-se força e diversidade (a diversidade é fundamental para a sobrevivência de um grupo ou sistema).
A inclusão, muito mais do que submeter (que geralmente é feito pelo uso da força), é abranger, acolher. A tendência hoje é de uma sociedade inclusiva, porque, pelos valores que seguimos na atualidade, é a via que melhor satisfaz ao indivíduo em particular e à sociedade em geral. Quando o indivíduo está e se sente incluído, tem mais chances de vencer na vida, por se sentir mais seguro e ter de fato mais oportunidades. Por sua vez, uma sociedade onde seus cidadãos conseguem se realizar como indivíduos, tem mais chances de sucesso e estabilidade.
Para construir uma sociedade com mais aceitação, mais amor, mais cuidado e compaixão, devemos nos esforçar por incluir, acolher a todos, sem exceção. “Acreditamos que as comunidades com diversidade sejam mais ricas, melhores e lugares mais produtivos para viver e aprender. Acreditamos que comunidades inclusivas tenham a capacidade de criar o futuro. Queremos uma vida melhor para todos. Queremos a inclusão!” (Forest).
3.- Inclusão ou integração?
Basicamente a diferença é simples: na inclusão é a escola que abre os braços para acolher todos os alunos; na integração é o aluno que tem de se adaptar às exigências da escola. Na primeira, o fracasso escolar é de responsabilidade da escola, ou melhor, de todos (autoridades, professores, pais, alunos); na segunda, o fracasso é do aluno que não teve competência para se adaptar às regras inflexíveis da escola, que presta mais atenção aos impedimentos do que aos potenciais das crianças. A inclusão é estar com o outro; a integração é estar junto ao outro (que não necessariamente significa compartir nem aceitar, estamos junto dele, mas não estamos com ele).
Mas, a integração é ainda mais cruel, pois, nem todos os alunos com “deficiência" têm a chance de entrarem numa turma de ensino regular, já que a escola faz uma seleção prévia dos candidatos que estariam, ou não, aptos (segundo critérios da própria escola, que nem sempre são claros, pelo menos para o candidato). Mesmo assim, no melhor dos casos, a integração escolar acaba sendo o deslocamento da educação especial para dentro da escola regular; muitas vezes, criando “turmas especiais” para atenderem os “alunos especiais”, e permanecendo as “turmas normais” para “alunos normais”. Ou seja, a discriminação e preconceito continuam, só que desta vez, dentro da própria escola.
Já a inclusão é incompatível com a integração, visto que, ela defende o direitos de todos, sem exceção, a freqüentarem as salas de aula de ensino regular. Não se trata apenas de todos freqüentarem a mesma escola, e sim, de freqüentarem as mesma salas de aula. Todos os alunos juntos, independente das suas necessidades ou particularidades (já que, a rigor, todos temos nossas necessidades, que constituem nossas particularidades). Preferimos falar de particularidades em vez de necessidades; já que esta última dá a impressão de carência (soa negativamente), e a primeira ressalta nossas qualidades específicas (soa positivamente). Então, a escola inclusiva é aquela que tem salas de aulas inclusivas, e mais, bibliotecas inclusivas, banheiros inclusivos, acessos inclusivos, projeto pedagógico inclusivo, e, principalmente, alunos e professores inclusivos.
Na escola inclusiva não há mais a divisão entre ensino especial e ensino regular; o ensino é um e o mesmo para todos, respeitando as particularidades, as diferenças. Trata-se de um ensino participativo, solidário e acolhedor. Formas mais solidárias e plurais de convivência. Uma educação global, plena, livre de preconceitos, e que reconheça e valorize as particularidades (diferenças) de cada um dos outros iguais.
Para sermos mais poéticos, diremos que a metáfora da inclusão é o caleidoscópio (de Marsha Forest). O caleidoscópio é constituído por vários pequenos pedaços coloridos; todos eles são necessários para a produção de múltiplas figuras. Se retiramos alguns deles, teremos menos possibilidades de figuras, e estas serão menos complexas, menos coloridas, menos fecundas. Assim, também, as pessoas se desenvolvem, aprendem e evoluem mais e melhor quanto mais rico e variado for o ambiente em que se encontram.
4.- Breve Histórico da Inclusão Escolar
Em resumidas contas, antes do século XX não existia a idéia de inclusão, a maioria das pessoas (principalmente mulheres, deficientes físicos e mentais, de outras raças que não a branca, e pobres) não tinha o direito ou as condições mínimas para freqüentarem a escola.
No século XX, começa a chamada segregação (isolar, separar), mais pessoas tem acesso à escola, porém dificilmente se misturam com os alunos representantes da classe dominante. Na segunda metade do século surgem as “escolas especiais” (que atendem crianças “deficientes”) e mais tarde as classes especiais dentro das “escolas comuns”. Surge assim uma aberração pedagógica, a separação de dois sistemas educacionais, por um lado a educação comum e do outro a educação especial.
Já na década de 70, aparece a integração (da qual acabamos de falar na seção anterior). As escolas comuns aceitavam alguns alunos, antes rejeitados ou marginalizados, que poderiam freqüentar classes comuns desde que conseguissem adaptar-se (o que na prática raramente acontecia). Em termos legais tínhamos “preferencialmente na rede regular de ensino”.
Finalmente chegamos aos anos 90, e com eles a inclusão (na verdade, os primeiros movimentos que apontavam para o surgimento da inclusão escolar são do final da década de 80). Só há um tipo de educação, e ela é para todos sem restrição nem separação.
A inclusão começou como um movimento de pessoas com deficiência e seus familiares na luta pelos seus direitos de igualdade na sociedade. E como a maioria desses direitos começa a ser conquistado a partir da educação (da escola, lugar onde se ensina cidadania), a inclusão chegou até a escola (espelho da sociedade). Hoje a inclusão é de todos sem discriminação, sem rótulos.
5.- Aspectos Jurídicos
Constituição Federal de 1988.
Artigo 3o, inciso IV – promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação.
Artigo 5o – direito a igualdade.
Artigo 205o – direito de todos à educação.
Convenção de Guatemala (1999) - Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, celebrada na Guatemala - Aprovado pelo Congresso Nacional (13/06/2001) e promulgado pelo Decreto 3.956, da Presidência da República (8/10/2001). Fala da impossibilidade de diferenciação com base na diferença, definindo a discriminação como toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência. Princípio da não discriminação “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB de 1996). Está em conflito com a CF e a convenção de Guatemala.
Declaração de Salamanca (Espanha, 1994):
2. Acreditamos e Proclamamos que:
- toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser
dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,
- toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de
aprendizagem que são únicas,
- sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais
deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade
de tais características e necessidades,
- aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança,
capaz de satisfazer a tais necessidades,
- escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios
mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades
acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para
todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das
crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de
todo o sistema educacional.
Devemos lembrar que, também as creches e escolas de educação infantil, que têm como função cuidar e educar, devem acolher sem discriminação as crianças, desde zero anos de idade (segundo a LDB artigo 58 e a Lei 7.853/89).
Dado isto:
a) Faz-se necessária a eliminação de barreiras arquitetônicas, pedagógicas e conceituais; assim como ressaltar a prática de ensino adequado às particularidades (diferenças) - como o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras), do código braile, uso de recursos de informática, e outras ferramentas e linguagens -, mas sem discriminação;
b) Os cursos de formação de professores (licenciatura e pedagogia) devem alterar seus currículos, de modo que os alunos, futuros professores, aprendam práticas de ensino adequadas às particularidades (pelo menos as mais freqüentes) e reflexão teórica da educação inclusiva;
c) As secretarias de educação devem proporcionar aos seus professores, em exercício das suas atividades educativas, a oportunidade de fazerem uma reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, através de debates, cursos e/ou palestras (como esta), visando a melhoria de seus conhecimentos e habilidades para melhor educar todos os seus alunos.
6.- Quem são os excluídos? Excluídos ou marginalizados?
Os gordos, os indisciplinados, os filhos de lares pobres, os filhos de negros ou índios ou outras raças diferentes à branca (minorias lingüísticas, étnicas, ou culturais), os PNEE, os diferentes em geral (mas diferentes a que ou a quem?)
“A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e quase sempre o que está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões de cientificidade do saber escolar” (Mantoan, 2003, p.18).
A escola trabalha com uma estrutura homogênea (que é falsa) e não consegue aceitar a diversidade (que é real). Desde este ponto de vista, qualquer um pode ser marginalizado na e da escola. E prefiro mesmo dizer marginalizado, pois, permanecem “na” escola, porém não estão “com” a escola; podem até permanecer “na” sala de aula, mas não estão “com” a turma; estão à margem da turma, à margem da escola, à margem da educação e, consequentemente, à margem da sociedade. E não há do que se estranhar se passam de marginalizados a marginais; uma vez que foram postos de lado pela sociedade, podem passam a viver à margem das normas éticas e legais, viram fora-da-lei. À guisa de exemplo, o MST, que apesar de suas reivindicações serem legítimas, algumas vezes excedem seus direitos atropelando os de outrem (seu principal líder já foi preso três vezes nos últimos três anos).
O problema da não inclusão escolar é esse. Você pode excluir da escolar, botar para fora, não deixar que façam parte dela; porém, não há como excluir alguém da sociedade, botá-lo para fora dela. O não incluído na escola, continua fazendo parte da sociedade. E o que é pior, geralmente, passa a ser um peso, um incômodo, uma carga para a sociedade. É o que acontece com a maioria dos deficientes físicos e outros muitos que, por motivos vários, não conseguiram entrar ou permanecer na escola, não conseguem aprender a ser auto-suficientes e se tornam um problema, ainda maior, para seus familiares e a sociedade em geral, uma vez que o número dos marginalizados é muito grande.
Num país como o Brasil, a escola regular é, para muitos, o único lugar de acesso aos conhecimentos mínimos necessários para viver nesta nossa sociedade, queiramos ou não, globalizada. Para a maioria dos alunos, pobres - por pertencerem a um país que por muitos anos sofreu a marginalização, primeiro por parte dos conquistadores e depois por parte do capital -, a escola é a única chance que têm para conseguir as condições básicas para se desenvolverem e se tornarem cidadãos, para ganharem um identidade sociocultural e uma vida digna, livre e feliz. (cf. Mantoan, 2003, p.53).
7.- O preconceito à inclusão
Sem dúvida há desrespeito à lei, mas, também, há interpretações tendenciosas da legislação educacional, assim como problemas no entendimento conceptual e preconceito à diferença. Tudo isto somado leva a reduzir a inclusão escolar aos alunos classificados como PNEE; esquecendo a grande maioria dos marginalizados.
Sem dúvida estamos atualizados e em sintonia com os países mais desenvolvidos no que diz respeito a educação escolar (reflexões e inovações). Neste mundo globalizado, tanto importamos pensamentos quanto exportamos (um bom exemplo ainda é o trabalho reflexivo de Paulo Freire, que na era do hipertexto encontra uma excelente ferramenta para sua aplicação: ver o excelente trabalho do professor espanhol José Luis Gómez-Martínez). Contudo, verificamos que na prática, nas escolas, não encontramos a aplicação dessas inovações. Por quê?
Uma coisa é o que está escrito (nas Leis, convenções e declarações), outra é o que encontramos no cotidianos das escolas e salas de aulas. Estamos no “faça o que digo, não faça o que faço”. Porém, de maneira nenhuma, o professor deve assumir essa triste máxima, temos o dever de fazer aquilo que pensamos e falar daquilo que fazemos, assumindo as conseqüências desse fazer.
Uma das maiores barreiras à inclusão é nossa preguiça, nossa falta de compromisso e coerência, ou nossa falta de desafios (como diz a professora Mantoan, 2003, p.46). Quando temos de lidar diretamente com a inclusão, o primeiro que fazemos é distorcer o seu sentido, ao distorcermos os conceitos e definições (por isso a nossa preocupação de definir claramente cada um deles). Reduzimos assim a inclusão apenas para um pequeno grupo de supostos alunos, que, curiosamente, pelo geral, não são os nossos (geralmente os PNEE), e continuamos marginalizando muitos, as vezes, a maioria.
Enganamos a nós mesmos quando pensamos que incluir é não excluir, esquecendo que o contrário da inclusão é a marginalização (no âmbito educacional). E assim, seguimos tampando o sol com a peneira e reproduzindo um sistema educacional conservador, ultrapassado e preconceituoso ( que, como dissemos antes, dá maior atenção aos impedimentos do que aos potenciais dos educandos).
Aparecem as desculpas: nós não temos dinheiro suficiente; não fomos treinados para tomar conta dessas crianças; eu não escolhi a educação especial; não tenho especialização na área; não temos tempo para criarmos um novo currículo (flexível) para “eles”; as outras crianças serão prejudicadas; etc. E ainda há os mais radicais: não ganho para isso. Como se algum professor ganhasse para excluir, marginalizar, ou mesmo exterminar; como se a educação especial não fosse educação; como se alguns alunos não fossem crianças e sim vírus.
Estou receoso! Estou com medo! Mas, este tipo de receio e medo devem ser enfrentados e superados. Toda mudança é assustadora, mas esta é necessária. Temos medo da mudança, do fracasso, da diferença, nos sentimos ameaçados e tudo isto acaba gerando preconceito. Contudo, nós não temos o direito de marginalizar ninguém. Nosso medo é simplesmente isso, medo, um obstáculo a ser superado, uma barreira a ser rompida. E nada melhor para vencer esse desafio do que a união, união entre professores, união com os alunos, união com os pais, união com todos aqueles que desejem colaborar para tornar este mundo melhor.
Há o medo do desconhecido. Quem é esse aluno tão diferente? Quais são suas possibilidades, seus desejos, suas dificuldades e limitações? Pois bem, perguntemos a ele. Mas antes devemos acolhê-lo. Todo aluno traz consigo um conhecimento da sua realidade, o qual não deve ser desconsiderado. É ele mesmo, e só ele, quem nos ajudará a entende-lo.
8.- O professor(a) está preparado(a) para a inclusão?
Se nós não estamos, muito menos o político, o jurista, o empresário (assim como a própria escola não estaria preparada). Devemos estar cientes de que as soluções coletivas são as mais acertadas e eficazes. E, não devemos esperar nem aceitar que as soluções venham de fora; é a nossa responsabilidade. Cabe a nós a coragem e ousadia para buscar alternativas, outras formas de interpretação e de conhecimento, que nos dêem as bases e o rumo para realizar as mudanças que já se fazem necessárias. Não estar preparados não é um problema, é um desafio. Além do mais, os professores, no geral, carecem de uma boa formação para ensinar a qualquer um; em educação, se aprende muito na prática, assumindo os desafios.
A inclusão é uma ruptura de base na estrutura organizacional da educação, por isso, quem mais está autorizado, no sentido de ter maior competência para realizar esse novo trabalho (desafio), somos nós professores(as). E devemos lembrar que “o papel do professor é ser regente de classe, e não especialista em deficiência” (Mantoan, 2005, p.26)
A escola tradicional não se torna automaticamente uma escola inclusiva só porque recebeu um ou alguns alunos, anteriormente marginalizados, nas classes comuns. Não se trata simplesmente de receber e sim de acolher, estar de braços abertos, dizer sejam bem-vindos (para todos).
O professor tem que estar comprometido; estar interessado com o que o aluno deseja aprender; interessado em conhecê-lo, ouvi-lo; respeitar o potencial de cada um; acreditar que todos conseguem desenvolver suas habilidades, as quais são diferentes para diferentes pessoas; estimular constantemente o aluno, aumentando assim sua auto-estima; acreditar nos seus alunos e em sua capacidade de aprender; estar consciente que os alunos precisam diferentes suportes, dependendo das suas particularidades; repensar os sistemas de avaliação, optando, de preferência, por uma avaliação formativa (para que sejam inclusivos); estimular a participação dos pais e dos outros professores; e trabalhar com um currículo flexível.
Incluir é uma questão de vontade. Vontade de todos para acolhermos a todos. Inclusão é incluir não só os alunos, mas também, os pais, a comunidade e os professores. E, o que é incluir os professores? É dar-lhes apoio, orientação, capacitação, recursos tecnológicos, treinamento para bem usufruir dos mesmos, etc.
9.- Aprendendo a lidar com a diferença.
“Vivemos em um mundo onde queremos ser simultaneamente iguais e diferentes. Pensamos uma cidadania planetária que respeite as diferentes culturas como a muçulmana, hindu, indígena ou africana. Não queremos um falso universalismo que destrói todas as diferenças e que impõe a cultura branca, masculina e ocidental como um padrão universal”. (Santos).
Para aprender a lidar com a diferença precisamos: primeiro, reconhecer que ela existe, o que não existe é a homogeneidade; segundo, estar dispostos à aceitá-la, afirmá-la e valorizá-la; e, terceiro, conviver com ela, viver em comunhão, com intimidade, familiaridade. Só assim aprenderemos a lidar com ela. Por isso, é de suma relevância que as crianças tenham essa oportunidade de convívio desde cedo.
Não devemos confundir diferença com deficiência. Por esta última se entende: falha, imperfeição, defeito; em medicina: insuficiência: incapacidade, maior ou menor, de um órgão para executar a função que lhe cabe. Como se na natureza alguém tivesse a obrigação de corresponder a um padrão (idealizado não se sabe por quem nem para que), ou ser igual à maioria. A natureza não é democrática, nem precisa; pelo contrário, para sua sobrevivência faz-se necessária a diversidade, a mudança, a adaptação. Por isso, devemos mais é afirmar a diferença, as particularidades, para “com” elas aprendermos.
Não existem normais e deficientes; existem os diferentes, que somos todos, existem as pessoas, seres humanos com o direito a uma vida digna e feliz. Com a diferença aprendemos a relevância da diversidade, como fim e meio pelos quais aprendemos mais sobre o outro e também sobre nós mesmos; aprendemos mais sobre a vida.
10.- Como ensinar numa turma inclusiva?
O maior obstáculo à inclusão parte da atitude negativa por parte de muitos pais, professores, lideres e políticos que não aceitam (ou não entendem) que os alunos precisam de liberdade para aprender do seu modo, de acordo com suas condições (particularidades), porque cada um é diferente do outro. É essa diferença que precisa ser observada e não a outra que discrimina.
Se na integração o aluno tinha que se adaptar à escola, agora, na escola inclusiva o aluno se adapta ao conhecimento, de acordo com suas possibilidades de assimilar o novo relacionando-o ao que já conhece.
A educação especial ainda tem o seu campo de atuação: o de prestar atendimento para complementar e não para substituir o ensino da escola comum. Na escola especial não se ensina o que é próprio da escola comum, a cidadania. Existe escola especial como existe escola de futebol, escola de natação, cursos de línguas, de informática, etc. Trata-se de escolas e cursos complementares à educação comum (direito de todos), e que o aluno as procura por interesse e habilidades próprias.
As dificuldades e limitações para implantar a educação inclusiva são reais para todos (alunos, professores, pais, autoridade e comunidade), como já mencionamos antes, contudo, não é motivo para desistir. No campo pedagógico, que é onde o professor pode atuar mais independentemente, existem algumas propostas, sempre visando o educar para a diversidade, como:
- um currículo não-disciplinar (transversalidade curricular);
- trabalhar com redes de conhecimento e significações;
- integração de saberes;
- autonomia do aluno na conquista do conhecimento e desenvolvimento do seu talento;
- valorização dos saberes prévios do aluno, assim como da sua realidade;
- a aprendizagem está centrada nas possibilidades e não nas dificuldades;
- incentivar os debates, pesquisas e principalmente o diálogo;
- trabalhar com a “cooperação” substituindo a competição;
- saber respeitar o ritmo do aluno mais do que o calendário;
- estar ciente de que as pessoas são diferentes, o que funciona para um, ou mesmo para a maioria, não funciona necessariamente para outro, ou para todos;
- trabalhar com a avaliação formativa (avaliação do desenvolvimento das competências e não dos conteúdos).
Devemos “entender que a diferenciação é feita pelo próprio aluno, ao aprender, e não pelo professor ao ensinar! (Mantoan, 2005, p. 72). O aluno deve desenvolver sua habilidade de emancipação com relação ao ato de aprender e não de submissão com relação ao professor. E quanto mais heterogêneo for o grupo (a turma), maiores são as possibilidades de novos aprendizados. A educação autêntica não é do professor “para” o aluno; não é do professor “sobre” o aluno; é do professor “com” o aluno, do aluno “com” o professor, do aluno “com” o aluno, é de todos “com” todos. (Freire).
O ser humano antes de ser racional, ou qualquer outra coisa, é um ser VIVO, por isso, o assunto que cumpre um papel de relevância nas inquietações da alma de qualquer pessoa deve ser a VIDA, e qualquer outro assunto estudado só faz sentido se estiver, de uma maneira ou outra, ligado à VIDA.
Como nos ensinou Marsha Forest: “acolher pessoas com diferenças desafiantes em nossas escolas e comunidades não é simplesmente para o bem delas; é antes para o bem de nossa própria saúde e de nossa própria sobrevivência”. O que será de mim quando eu estiver velho? Se eu, agora, não ensinar as crianças a serem inclusivas, acolhedoras, quando chegar a minha velhice, provavelmente, elas me esquecerão.
Metáfora da gravidez. “Não se pode estar um pouco grávida, assim como não se pode estar um pouco incluída”. Quando a mulher engravida, muda tudo: seu corpo, seu estado de ânimo, seus desejos, etc. Não há como incluir e não mudar. É muito difícil, mas também é maravilhoso. Se alguém não tivesse ficado grávida, nós não estaríamos aqui; se alguém não nos tivesse incluído, nós não estaríamos aqui. Se nós não incluímos agora, talvez, ninguém nos incluirá no futuro.
Os movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo os do Brasil, estão debatendo o nome pelo qual elas desejam ser chamadas. Mundialmente, já fecharam a questão: querem ser chamadas de "pessoas com deficiência" em todos os idiomas. E esse termo faz parte do texto da Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, a ser aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 2005 ou 2006 e a ser promulgada posteriormente através de lei nacional de todos os Países-Membros.
Eis os princípios básicos para os movimentos terem chegarem a esse nome:
1- Não esconder
ou camuflar a deficiência;
2- Não aceitar o consolo da falsa idéia de que todo mundo tem deficiência;
3- Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;
4- Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;
5- Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como "pessoas com
capacidades especiais", "pessoas com eficiências diferentes", "pessoas com
habilidades diferenciadas", "pessoas deficientes", "pessoas especiais", "é
desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos
imperfeitos", "não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da
areia" (i.é, "aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências");
6- Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em
termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para
pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades
especiais, que não devem ser ignoradas;
7- Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a
partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem
ou eliminarem as "restrições de participação" (dificuldades ou incapacidades
causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência).
A tendência é no sentido de parar de dizer ou escrever a palavra "portadora" (como substantivo e como adjetivo). A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo "portar" como o substantivo ou o adjetivo "portadora" não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo, não dizemos e nem escrevemos que uma certa pessoa porta olhos verdes ou pele morena.
Uma pessoa só porta algo que ela possa não portar, deliberada ou casualmente. Por exemplo, uma pessoa pode portar um guarda-chuva se houver necessidade e deixá-lo em algum lugar por esquecimento ou por assim decidir. Não se pode fazer isto com uma deficiência, é claro.
A quase totalidade dos documentos, a seguir mencionados, foi escrita e aprovada por organizações de pessoas com deficiência que, no atual debate sobre a Convenção da ONU a ser aprovada em 2003, estão chegando ao consenso quanto a adotar a expressão "pessoas com deficiência" em todas as suas manifestações orais ou escritas.
Disponível em: http://www.escoladegente.org.br/mypublish3/VisualizarPublicacao.asp?CodigoDaPublicacao=284&visualizar=1&CodigoDoTemplate=2 Acesso em: 01 set. 2005.
· FOREST, Marsha e PEARPOINT, Jack. Exclusão: um panorama maior. Disponível em: http://www.associacaosaolucas.org.br/educacao_inclusiva_12.htm Acesso em: 30 ago. 2005.
· FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1978.
· PEARPOINT, Jack e FOREST, Marsha. Inclusion: It's About Change!. Disponível em: http://www.inclusion.com/inclusion.html Acesso em: 30 ago. 2005.
· MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
· __________ Fala, Mestre! Entrevista com Maria Teresa Eglér Mantoan por Meire Cavalcante. Revista Escola, p. 24-26, mai. 2005.
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