(Um estudo sobre o sentido da educação hoje)
Educação para aprender,
para ensinar,
para aprender ensinando,
para ensinar aprendendo,
para eu,
para eu ser mais,
para outrem,
para eu ser outrem,
para a viva,
para que a vida seja mais,
para que a vida seja outra.
APRESENTAÇÃO.
Educação, o que esta palavra quer dizer?[i] mais do que seu significado, queremos saber o seu sentido, a sua utilidade. Para além de O Que e do Por quê, queremos saber do Para quê e do Como.
É nossa intenção, neste trabalho, mostrar como a educação pode ser vista a partir do “Não-Ser”;[ii] como podemos falar da educação para alem do “Ser”. Educação como um movimento orgânico e harmônico, um constante nascer, um aparecer, um eterno tornar-se, um devir na sua mais alta potencialidade.
DESENVOLVIMENTO.
“Ninguém escapa da educação”[iii]. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais. A utilidade da educação, tradicionalmente, está em tornar o indivíduo útil para a sua sociedade. Se a sociedade precisa de guerreiros, a educação há de criar guerreiros, se a sociedade precisa de burocratas, a educação há de criar burocratas. A educação ajuda a criar homens e mulheres, ou melhor, a passar os saberes necessários que os constitui e legitima como indivíduos indispensáveis para a sua sociedade. Educar pode ser ensinar o jovem a caçar, a fabricar seu próprio arco e flecha; como também pode ser ensinar matemática financeira, informática. Educar é ensinar aquilo que for necessário para tornar o aluno num homem, ou mulher, útil, produtivo, para a sociedade da qual faz parte; assim poderá ser reconhecido como membro atuante e necessário da mesma. “O saber que se transmite de um a outro deve servir de algum modo a todos”[iv]. Educação, talvez possamos dizer que seja, o processo pelo qual “um grupo social aos poucos socializa, em sua cultura, os seus membros, como tipos de sujeitos sociais”[v]. Parece jogo de palavras, mas não é. Uma sociedade, mais do que homens e mulheres, precisa de “pessoas sociais”[vi], isto é, necessita de pessoas participativas da vida em sociedade.[vii]
Para os gregos a educação tinha o nome de Paideia: no sentido de formação harmônica do homem para a vida da polis, através do desenvolvimento de todo o corpo e de toda a consciência.[viii] A educação grega preocupava-se com a formação do cidadão, educação “da” e “para” a cidade, isto é, a comunidade. É este sentido de educação (paideia) que queremos aqui resgatar. Educação como sinônimo daquilo que somos, sabemos, fazemos, pensamos, imaginamos, acreditamos e amamos individual e coletivamente. A educação (a escola) não é para tornar a criança-aluno alguém na vida, todos nós já somos alguém, talvez seja mais apropriado dizer: tornar o homem, ou mulher, mais humano[ix].
A educação que serve ao poder de uns poucos sobre o trabalho e a vida de muitos, não podemos considera-la uma “verdadeira” educação. Não podemos esquecer que, infelizmente, para alguns, educar também pode ser o ato de transmitir, de uma geração à outra, crença e valores sociais, que tanto podem servir para igualar quanto para diferenciar as pessoas. Educar, alguns poucos, para aprender a comandar, e outros, muitos, para aprender a obedecer e servir; é contra esta concepção de educação, que esquece que educar é, também, uma atividade social, que o “verdadeiro educador” pensa outras novas maneiras de educar. Irrompe assim uma nova consciência e surgem novos questionamentos: o ato de ensinar, a que e a quem ele serve?
A educação é um dever e necessidade da sociedade; ela educa a pessoa, numa instituição (que não necessariamente deva ser a escola),[x] e através de uma prática (o ato de educar), mas este processo deve ser realizado como “um serviço coletivo que se presta a cada indivíduo”[xi]. A educação carrega na sua essência este duplo sentido: individual e coletivo. O processo de educar torna o indivíduo uma peça fundamental para a vivência coletiva. Isto é, torna o indivíduo uma “pessoa social”[xii]. É neste sentido que Kant está pensando quando diz que “o fim da educação é desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que ele seja capaz”[xiii]. Para Kant o indivíduo tem um dever (no sentido de obrigação coletiva) para com a sociedade, a humanidade. É dever do indivíduo procurar, sempre, o bem de todos, e não o bem individual (como nos gregos, que em primeiro lugar estava o bem e felicidade do próprio agente). E se é um dever de cada um a procura do bem de todos, é, consequentemente, dever de todos preocupar-se com o bem de cada indivíduo. Para que todo esse trabalho floresça, venha à tona, faz-se necessário termos: um e todos, indivíduo e coletividade, pessoa e sociedade, interagindo entre eles numa espécie de ressonância ética.
A educação passou assim a ser objeto de estudo de uma nova ciência: a sociologia. Émile Durkheim pensa a educação, não como filósofo nem educador, mas sim, como sociólogo. A educação responde agora a exigências reais e concretas da sociedade, em termos de vida (comportamento ético e político), trabalho, compromisso, e relações de pessoas concretas na e para uma sociedade concreta. A partir disto, fica fácil deduzir que haverá tantos tipos diferentes de educação quantos tipos diferentes de sociedades encontremos, em cada momento histórico-cultural. Não se trata de uma nova proposta educacional. Durkheim, e outros sociólogos e antropólogos do nosso século, tem como objetivo ressaltar a forma como a sociedade e a cultura são e funcionam, na realidade.[xiv]
Assim, Durkheim define a educação como sendo “a ação social exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destina.”.[xv]
A educação, assim como outras práticas sociais, tem um papel ativo, tanto no desenvolvimento das forças produtivas, quanto no desenvolvimento dos valores culturais. Então, trata-se de determinar o como e o para quê cada tipo de educação é pensado, desenvolvido e executado.[xvi]
Ao deslocarmos o foco da educação, da essência do homem para as necessidades de uma determinada cultura num determinado tempo histórico, o que estamos a fazer na realidade é desqualificar toda e qualquer proposta “universal” de educação. Não há uma educação ideal nem perfeita, pois, na realidade não encontramos um homem ideal nem perfeito. O que há são homens singulares que vivem em sociedade; o que há são sociedades, várias e diferentes, e para cada uma destas, um tipo singular de educação. Deste modo, no fundo, quem educa não são os pais nem a escola, quem educa é a sociedade, são as suas necessidades, suas singularidades, suas diferenças.
Mas, há de se ressaltar que as sociedades sempre mudam, então a educação mais do que estar a serviço da sociedade, está a serviço da mudança social com o objetivo de formar, ou melhor, educar sujeitos e agentes desta mudança. Portanto, a educação aparece como uma prática social com a intenção de criar nos indivíduos condições que o ajudem a lidar com as constantes transformações. Ou seja, a educação deixa de ser conservadora, deixa de ser algo que preserva um saber, uma tradição, uma cultura, uma maneira de pensar, para tornar-se progressista, no sentido de olhar para a frente, para os novos rumos de um desenvolvimento constante e inevitável da sociedade, do homem, da vida. A educação deixa de ser um privilégio de poucos (conservadores) para se tornar um direito de todos (mais do que um direito, uma necessidade), pois todos fazem parte da sociedade, todos estão sujeitos às mudanças, e todos precisam estar preparados para enfrentar os novos desafios que as constantes transformações da realidade nos trazem.
Indivíduos educados não são apenas sujeitos cultos, agora, também são agentes da mudança, são os que carregam a bandeira do progresso e desenvolvimento. A sociedade não quer mais, nem precisa, dos intelectuais, quer pensadores da evolução, da mudança, do novo, do devir; quer pensadores que inventem uma nova educação a favor do homem, e não contra.
Em âmbito nacional, a luta e necessidade da democratização do ensino criou a escola pública. Educação leiga para todos em escolas financiadas pelo governo.[xvii] Mas, a verdade é que as novas tendências da educação no Brasil estão muito mais próximas de atender as necessidades do poder capitalista do que às necessidades de um bem social. Ou seja, apesar da educação ser hoje para todos, continua beneficiando os interesses de uma minoria dominadora. Não era bem isso que tinha em mente Paulo Freire quando falava de “reinventar a educação”. Na opinião do Sr. Brandão: “Vivemos aqui, hoje, dentro de uma ordem social regida por um sistema amplo e muito complexo de relações de produção entre tipos de meios e produtores, que se costuma chamar de modo de produção capitalista”.[xviii] Isto é, infelizmente, aquilo que dirige e comanda a educação, hoje, é o capital. O saber, ao estar sob a orientação e regulamentação do governo, é um instrumento político fortíssimo de poder.
Contudo, não devemos ser pessimistas, “assim como a vida é maior que a forma, a educação é maior que o controle formal sobre a educação”.[xix] Sempre haverão meios e condições de “reinventar a educação”. Estamos aqui, nós professores e filósofos, para isso, para pensar novas maneiras de educar, novas formas peculiares de saber e de viver, para reinventar, de múltiplas maneiras, a educação, como sempre quis Paulo Freire. Educação como prática da liberdade.
CONCLUSÃO.
A sociedade evolui, se apresenta como uma força viva em constante movimento, os homens evoluem, a educação evolui. A partir deste ponto de vista, a sociedade sempre aparece como outra, o homem sempre aparece como outro, a educação sempre aparece como outra. Assim, a educação serve de instrumento para ajudar o homem a tornar-se outrem; colabora para que a vida se torne outra; e desta maneira contribui para que, cada vez mais, todos nós expressemos, de maneiras múltiplas e diferentes, a nossa felicidade. A educação, sem dúvida, tem um sentido social, ético e político, que (o como), através da vivência de experiências diferentes, do indivíduo e da sociedade, (o para quê) faz nascer, inventa, cria, a cada instante uma nova sociedade, um novo homem, uma nova vida.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. Coleção primeiros passos, Editora Brasiliense, São Paulo, 1995.
FERRATER, José Mora. Diccionario de Filosofia. Editorial Ariel, S. A., Barcelona, 1994.
FERREIRA, António Gomes. Dicionário de Latim-Português. Porto Editora, Porto, sem data.
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. Martins Fontes, São Paulo, 1989.
Esteban Reyes Celedón.
Rua dos Douradores, Junho de 2000
NOTAS
[i] Educação do latim educere, que significa extrair, tirar, desenvolver. Educação como processo vital na formação do homem de caráter.
[ii] A questão do Não-Ser está presente na filosofia desde os seus primórdios até hoje. Sua concepção mais clássica a podemos encontrar no Parménedes, de Platão.
[iii] É com estas palavras que inicia o seu trabalho o professor Carlos Rodrigues Brandão, O que é Educação, p.7.
[iv] Brandão, idem, p.67.
[v] Brandão, idem, p.25.
[vi] Pessoa do termo latino persona que tem, entre outros, o mesmo significados do grego proswpon, isto é: o significado de “máscara”; e, o de membro do Estado-cidade. É com este segundo sentido que estamos trabalhando.
[vii] “A educação é a organização dos recursos biológicos individuais, e das capacidades de comportamento que tornam o indivíduo adaptável ao seu meio físico ou social.”, William James, citado por: Brandão, idem, p.65.
[viii] Werner Jaeger no seu livro Paideia faz um excelente trabalho sobre o sentido da educação na Grécia clássica.
[ix] Seja como: guerreiro, burocrata, feiticeiro, sacerdote, chefe, cientista, artista, filósofo, escravo ou professor.
[x] “Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor”, Brandão, idem, p.9.
[xi] Brandão, idem, p.62.
[xii] Desta forma estamos a falar de uma endo-educação e de uma exo-educação; uma educação para o espírito, ou alma, e uma educação para a sociedade.
[xiii] Kant, Pensamentos sobre educação, texto estudado na disciplina: Filosofia da Educação. Podemos entender esta perfeição como o processo que leva ao ser humano a realizar, na sua mais alta potência, todas as suas atividades físicas, éticas, espirituais e intelectuais.
[xiv] Brandão, idem, p.72.
[xv] Émile Durkheim, citado por: Brandão, idem, p.71.
[xvi] Chegamos, assim, às questões que propusemos no inicio deste trabalho: o Como e o Para quê da Educaçaõ.
[xvii] Os filhos dos pobres, enfim, têm acesso à educação, deixam a labora e vão à escola; a mão de obra deixa a agricultura em direção à industria; o poder sai do campo e se instaura na cidade.
[xviii] Brandão, idem, p.92.
[xix] Brandão, idem, p.103.